O Cante Alentejano, ou simplesmente Cante
Passaram quatro anos após o reconhecimento, por parte da Unesco, do Cante Alentejano como Património Imaterial da Humanidade . Uma atribuição que vale ouro para todos os que apreciam e especialmente para quem tem o Cante na alma e no coração. Para as gentes deste nosso alentejo é um aniversário importante que simboliza a valorização de uma das tradições mais genuínas da região e deste povo. No concelho de Castro Verde o aniversário é assinalado com iniciativas de divulgação e preservação do nosso Cante. Na verdade estamos todos de parabéns pois o Cante é parte da essência mais genuína desta região e das suas gentes. A razão é simples: transporta em si a identidade do povo que o canta com a pureza das vozes que, sem instrumento algum, conseguem transformar sentimentos e vivências em sonoridades ímpares. No livro que publiquei, “Santa Bárbara de Padrões – A identidade de uma Freguesia”, dedico um capítulo ao Cante Alentejo porque, para mim, é o retrato sonoro da alma deste povo. Partilho convosco a minha alegria e o desejo que o Cante Alentejo se faça ouvir em todo o mundo.
A voz, só a voz, transforma o mais simples dos versos num Cante único. Esse Cante exalta a alma das suas gentes e encontra a génese nos tempos idos, marcados pelo duro trabalho no campo, quando grupos de pessoas mondavam e ceifavam à mão até o sol se pôr. Os Homens e Mulheres que cantavam as Modas, enquanto trabalhavam na agricultura, aliviavam assim os dias árduos. E, no final da tarde, quando o sol se punha e o dia de trabalho terminava as vozes erguiam-se no caminho de regresso a casa ou na taberna onde se agrupavam os homens, aquecendo a alma com o vinho que acentuava o sentimento.
Cantar o Cante Alentejano não é apenas ter na voz o tom vagaroso da pronúncia ou o sotaque que acentua o gerúndio nas expressões e nas frases. Não é apenas conhecer as Modas, os versos e a poesia. Não! É preciso nascer, crescer e conhecer a planície e o horizonte desmedido da sua imensidão e liberdade; é preciso conhecer o tempo de semear e colher as searas e o seu verde e dourado; é preciso comer o pão; é preciso conhecer os sobreiros e azinheiras, os montados, as oliveiras, as varas de porcos; é preciso conhecer o monte alentejano que se ergue no meio do nada; é preciso ter caiado as paredes brancas de uma casa térrea; é preciso ter contemplado o céu azul e o céu negro cheio de estrelas; é preciso ter caminhado sobre o restolho; é preciso ter sentido o sol abrasador a queimar a pele e o vento cortante na cara; é preciso conhecer as madrugadas e o silêncio. E depois cantar, transformar a voz, unicamente a voz, em poesia e música.
Mas, o Cante Alentejano, é também um grito, uma fé, entoado em momentos de aflição e grandes dificuldades. Exemplo disso são os cânticos característicos da Freguesia de Santa Bárbara de Padrões. Em vários anos de seca, para pedir água aos Céus, o povo junta-se para cantar em locais sagrados e obter a graça divina.
A origem do Cante Alentejano não é bem conhecida. Talvez seja herança dos árabes ou dos salmos judaícos, passando pelo cante gregoriano. De voz em voz, percorreu séculos, transformou-se e adaptou-se.
Hoje, o Cante ainda vive sobranceiro ao quotidiano da vida no Alentejo mas é nos Grupos Corais e Etnográficos que mantém a sua força e prosperidade.
Este “modo de cantar”, tão tradicional e típico,apresenta uma grande capacidade de transmissão geracional de um conjunto de caraterísticas que revelam a História do povo alentejano, o seu legado, aquilo que se inscreve na sua maneira de ser.
Além da História, da alma humana que se encerra e se liberta neste Cante, também se traduz num conjunto de características, acentuadas e perpetuadas pelos grupos corais e etnográficos: os trajes de trabalho, os braços dados entre os elementos do grupo, os temas de amor, universais e relativos à lavoura e vida agrícola.
Na nossa Freguesia este “património” é amplamente representado por quatro grupos corais, dois deles, também etnográficos, sobre os quais me vou debruçar, falando da sua história, das suas vivências e dos seus exemplos enquanto difusores do nome da nossa terra e das nossas tradições.