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A LUCERNA

Entre o passado e o presente...a aldeia sonha!

04.Dez.18

Celebrar o dia da Padroeira

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Hoje é dia 4 de dezembro, dia de Santa Bárbara, a Padroeira da minha aldeia, onde nasci. É um dia de festa, um dia de celebração. Para assinalar este dia que preenche de forma especial os corações de todos os que nasceram e vivem em Santa Bárbara de Padrões, criei este espaço virtual, um blog que dedico a todos os que sentem, como eu, que as raízes, a história e o passado da nossa terra é importante e nos caracteriza de forma única. Aqui, em Santa Bárbara de Padrões, será sempre o meu berço.

Porque o mundo virtual inundou as nossas vidas e o nosso quotidiano não se pode passar ao lado da importância que esse espaço tem para todos os cidadãos. Assim, como “cidadão do mundo” apresento um blog no qual pretendo divulgar acontecimentos, histórias, tradições e reflexões sobre as mais variadas temáticas.
Espero que este blog seja uma janela aberta, com jovialidade e interesse para todos. A escolha do dia 4 de dezembro para apresentação pública do blog não é alheia ao trabalho que já apresentei no decorrer de 2018, especialmente no livro que publiquei intitulado "Santa Bárbara de Padrões - A Identidade de uma Freguesia". É justamente o dia de Santa Bárbara. A santa mártir que dá nome à aldeia onde nasci e que guardo no coração.
Sem dúvida que poderão encontrar neste blog muitos temas, histórias, recordações e memórias sobre a aldeia de Santa Bárbara de Padrões, as suas tradições, usos e costumes. Será também um espaço para divulgação da atualidade, das iniciativas e eventos a que as forças vivas desta freguesia dão corpo e alma. Será ainda um espaço para divulgar o Cante Alentejano pelo mundo fora, o trabalho dos nossos grupos corais e etnográficos e os projetos das associações e entidades de toda a Freguesia.
Todavia não é meu objetivo traçar limites aos temas, informações e reflexões neste blog. Além da Freguesia, o concelho e toda a região do nosso Alentejo irão preencher este espaço.
Ao sabor da vontade, das estações e das lembraças, irei aqui publicar regularmente os meus textos e os meus interesses. E justamente porque pretendo que seja uma janela aberta para o mundo, neste blog aceito as vossas sugestões, comentários e observações que comigo queiram partilhar.

04.Dez.18

As mantas de lã alentejanas

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O outono chegou e trouxe consigo cores fabulosas e sabores incomparáveis. É o tempo das folhas cairem, das castanhas amadurecerem, dos cogumelos surgirem e dos olivais generosamente darem o seu fruto. São os dias mais pequenos e por volta das cinco da tarde parece que já anoiteceu. É o tempo do céu carregado, em tons de cinzento e alguns aguaceiros começam a brindar a terra.

Em 2018 o equinócio de outono ocorreu no dia 23 de Setembro (às 02:54 horas). Este instante marca o início da estação no hemisfério norte. E prolonga-se por 89,812 dias até ao próximo solstício que ocorre no dia 21 de dezembro(às 22:23 horas).

O sol parece estar envegonhado e as temperaturas descem na região do Alentejo. O quotidiano das gentes acompanha as transformações da natureza. Em casa as lareiras começam a crepitar como companheiras incansáveis que animam os serões frios. O sono parece chegar mais cedo, procurando o aconchego das mantas de lã que já estão colocadas nas camas. E são fabulosas e únicas estas mantas de lã de ovelha. Peças únicas, feitas com arte e mestria, fios de lã entrelaçados nos teares por mãos hábeis como se fizessem magia.

No livro que apresentei em 2018, “Santa-Barbara de Padrões- A Identidade de uma Freguesia” dedico parte importante de um capítulo ao artesanato e ás mantas de lã.

 

Entre o Guadiana e a Serra do Algarve numa tradição milenar, tornou-se hábito desenvolver massivamente a atividade da tecedeira, a tecelagem. Tal se explica graças às elevadas quantidades de lã de ovelha dos rebanhos existentes e a dos que chegavam na rota das transumâncias. Esta arte que está intimamente ligada ao universo feminino e que era passada de geração em geração não é exclusiva da Freguesia de Santa Bárbara de Padrões. Porém, tem nela grande relevo, visto que, a aldeia do Lombador foi provavelmente dos locais ou o local que manteve esta arte até à contemporaneidade. É de referir, também, que em toda a Freguesia se registou esta atividade até porque era muito importante para a mulher campaniça conseguir fazer um “pé-de-meia” com a  comercialização na Feira de Castro, por exemplo. Não servia, assim, apenas para formar um enxoval para si e para os filhos ou para agasalhar os moirais que iam guardar os rebanhos. Estas tradicionais mantas de lã eram também uma fonte de rendimento e um desafogo para aquelas famílias ou mulheres que as produziam.

A senhora Esménia e a senhora Mariana foram as duas últimas tecedeiras, entretanto já falecidas, a produzir mantas de lã na localidade do Lombador de forma tradicional.

No Pólo do Lombador do Museu da Ruralidade, criado em dezembro de 2016, é possível apreender todas as fases da sua concepção e apreciar um importante espólio que inclui muitos dos utensílios intervenientes no processo de fabrico, incluindo o tear antigo.

A tecelagem é o ato de tecer, através do entrelaçamento de fios de trama (transversais) com fios de teia (longitudinais), formando tecidos. Para tecer é, obviamente, necessário o tear. No tear fazem-se várias peças destinadas a mantas, alforges, sacos e coadeiros.

Mas, no geral, aquilo que mais se produzia era mesmo as mantas. Tal como nos é revelado no pólo do Museu da Ruralidade, havia dois tipos de manta: as de “trabalho” e as “graves”. As de trabalho eram utilizadas pelos moirais e eram sempre às riscas. As mantas graves tinham vários padrões e tinham, muitas vezes, a espiga como elemento decorativo. Estas mantas eram utilizadas na cama ou então em ocasiões mais solenes.

04.Dez.18

O Cante Alentejano, ou simplesmente Cante

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Passaram quatro anos após o reconhecimento, por parte da Unesco, do Cante Alentejano como Património Imaterial da Humanidade . Uma atribuição que vale ouro para todos os que apreciam e especialmente para quem tem o Cante na alma e no coração. Para as gentes deste nosso alentejo é um aniversário importante que simboliza a valorização de uma das tradições mais genuínas da região e deste povo. No concelho de Castro Verde o aniversário é assinalado com iniciativas de divulgação e preservação do nosso Cante. Na verdade estamos todos de parabéns pois o Cante é parte da essência mais genuína desta região e das suas gentes. A razão é simples: transporta em si a identidade do povo que o canta com a pureza das vozes que, sem instrumento algum,  conseguem transformar  sentimentos e vivências em sonoridades ímpares.  No livro que publiquei, “Santa Bárbara de Padrões – A identidade de uma Freguesia”, dedico um capítulo ao Cante Alentejo porque, para mim, é o retrato sonoro da alma deste povo. Partilho convosco a minha alegria e o desejo que o Cante Alentejo se faça ouvir em todo o mundo.

A voz, só a voz, transforma o mais simples dos versos num Cante  único. Esse Cante exalta a alma das suas gentes e encontra a génese nos tempos idos, marcados pelo duro trabalho no campo, quando grupos de pessoas  mondavam e ceifavam  à mão até o sol se pôr. Os Homens e Mulheres que cantavam as Modas, enquanto trabalhavam na agricultura, aliviavam assim os dias árduos. E, no final da tarde, quando o sol se punha e o dia de trabalho terminava as vozes erguiam-se  no caminho de regresso a casa ou na taberna onde se agrupavam os homens, aquecendo a alma com o vinho  que acentuava o sentimento.

Cantar o Cante Alentejano não é apenas ter na voz o tom vagaroso da pronúncia ou o sotaque que acentua o gerúndio nas expressões e nas frases. Não é apenas conhecer as Modas, os versos e a poesia. Não! É preciso nascer, crescer e conhecer a planície e o horizonte desmedido da sua imensidão e liberdade; é preciso conhecer o tempo de semear e colher as searas e o seu verde  e dourado; é preciso comer o pão; é preciso conhecer os sobreiros e azinheiras, os montados, as oliveiras, as varas de porcos; é preciso conhecer o monte alentejano que se ergue no meio do nada; é preciso ter caiado as paredes brancas de uma casa térrea; é preciso ter contemplado o céu azul e o céu negro cheio de estrelas; é preciso ter caminhado sobre o restolho; é preciso ter sentido o sol abrasador a queimar a pele e o vento cortante na cara; é preciso conhecer as madrugadas e o silêncio. E depois cantar, transformar a voz, unicamente a voz,  em poesia e música.

Mas, o Cante Alentejano, é também um grito, uma fé, entoado  em momentos de aflição e grandes dificuldades.  Exemplo disso são os cânticos característicos da Freguesia de Santa Bárbara de Padrões. Em vários anos de seca, para pedir água aos Céus, o povo junta-se para cantar em locais sagrados e obter a graça divina.

A origem do Cante Alentejano não é bem conhecida.  Talvez seja herança dos árabes ou dos salmos judaícos, passando pelo cante gregoriano. De voz em voz, percorreu séculos, transformou-se e adaptou-se.

Hoje, o Cante ainda vive sobranceiro ao quotidiano da vida no Alentejo mas é nos Grupos Corais e Etnográficos que mantém a sua força e prosperidade.

 Este “modo de cantar”, tão tradicional e típico,apresenta uma grande capacidade de transmissão geracional de um conjunto de caraterísticas que revelam a História do povo alentejano, o seu legado, aquilo que se inscreve na sua maneira de ser.

Além da História, da alma humana que se encerra e se liberta neste Cante, também se traduz num conjunto de características, acentuadas e perpetuadas pelos grupos corais e etnográficos: os trajes de trabalho, os braços dados entre os elementos do grupo, os temas de amor, universais e relativos à lavoura e vida agrícola.

 Na nossa Freguesia este “património”  é amplamente representado  por quatro grupos corais, dois deles, também etnográficos, sobre os quais me vou debruçar, falando da sua história, das suas vivências e dos seus exemplos enquanto difusores do nome da nossa terra e das nossas tradições. 

 

04.Dez.18

A apanha da azeitona nas terras alentejanas

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Quando se aproxima o final do ano e as temperaturas descem é tempo da apanha da azeitona nas terras alentejanas. Mas ainda era primavera e já as gentes alentejanas olhavam e mediam o candeio que enfeitava as oliveiras para deitarem contas á vida e ajuizar sobre se iria ou não haver muito azeite nesse ano. Ainda era primavera e já se limpavam e preparavam as talhas e enfuzas do azeite, altas e largas, vazias dos gastos na comida e nas antigas candeias.

Para quem é alentejano o azeite é ouro e são muitas as razões para o afirmar.  

Nos tempos dos avós mais velhos a apanha da azeitona constituia uma actividade económica e familiar muito significativa. A apanha da azeitona dava trabalho a muita gente no alentejo, sazonalmente e, tantas vezes, pago em quilos de azeitona o que era muito importante para as famílias que não possuíam olival.  

Os olivais enchiam-se de gente que cantava e falava, animando os campos  com as suas vozes. Debaixo das árvores estendiam-se os panos ou panais que acolhiam os frutos. Com escadas e varas ou apanhada á mão entre as ramagens, os trabalhadores colhiam a azeitona para depois a ensacar. Antes de encher as sacas de azeitona era preciso limpar, ou seja, retirar as folhas e fazer uma primeira escolha para que os frutos estragados não fossem recolhidos. Também se apanhava a azeitona que caia no chão, debaixo das oliveiras recolhia-se um a um cada fruto. 

Quem nasceu e cresceu num meio rural tem na memória e nas recordações a apanha da azeitona. As famílias, desde o mais velho ao mais novo, participavam, recolhendo os frutos para conserva e para levar para o lagar.  Havia em cada aldeia um ou por vezes mais lagares tradicionais. Hoje muitos desses lagares encontram-se em ruínas mercê da modernização do sector e das exigências da economia. Não é pois de estranhar que o setor se tenha modernizado e o nosso país tenha conhecido um crescimento notável nesta actividade levando, consequentemente, á modificação da maneira tradicional de apanhar e transformar a azeitona.

A oliveira, uma árvore secular no nosso país, de grande implementação nos meios rurais e uma importante fonte de rendimento. Na actual geração, o azeite de produção familiar fica muito caro e a apanha da azeitona pelas famílias tende a deixar de se fazer.

No entanto, grande parte das famílias dos meios rurais gosta de ter o seu azeite e de fazer a conserva da sua própria colheita, sendo que a tradição ainda se mantém em muitas pequenas aldeias e localidades do nosso país.

03.Dez.18

A tradição religiosa secular de “pedir água aos céus”

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Esta é uma das tradições mais emblemáticas da fé dos habitantes e gentes da região em Santa Bárbara de Padrões. Quando as sementeiras pedem água e a seca se instala nas terras do Alentejo é na fé que o povo se refugia, rogando pela a ajuda divina. De uma beleza extraordinária, estes cânticos representam sentimentos e esperança.

Para pedir água era habitualmente realizado o “Encontro das Senhoras” em que a veneranda imagem de Santa Bárbara, que antigamente se encontrava num oratório envidraçado, ia ao encontro da imagem de Nossa Senhora da Graça que pertence à Igreja Paroquial da Graça de Padrões. O encontro era feito no momento em que as imagens se encontravam na estrada, visto que, eram levadas aos ombros e acompanhadas pelos seus fiéis.

Os cânticos são entoados para pedir água a Santa Bárbara e também à Virgem Maria. Os dois primeiros versos, de cada quadra, são cantados por uma só pessoa e os dois últimos por todo o coro.

 

 Santa Bárbara

 

I

Senhora Santa Bárbara

Virgem Mãe de Deus

Mandai água aos trigos

Seja por amor de Deus

 

II

Atendei piedosa

Aos nossos gemidos

Mandai sem demora

Água para os trigos

 

III

Senhora valei-nos

Se não expressemos

Em tão grande aperto

Senhora nos vemos

 

IV

Senhora não houve

Ais e gemidos

Mandai sem demora

Água para os trigos

 

V

Água que é requerida

Divina princesa

Peço a Vossa Alteza

Que seja atendida

 

VI

Senhora Santa Bárbara

E Virgem Maria

Mandai água aos trigos

De noite ou de dia

VII

Senhora Santa Bárbara

É a padroeira

Bradamos por ela

Uma vida inteira

 

IX

Oh meu Deus Senhor

E omnipotente

Mandai água aos trigos

Manda a Mãe clemente

 

X

Senhora Santa Bárbara

O que eu mais invejo

Mandai água aos trigos

E para o Alentejo

 

XI

Senhora Santa Bárbara

Que o tempo tão ruim

Mandai água aos trigos

Que isto está no fim

 

XII

Que isto está no fim

Vai-se tudo embora

Mandai água aos trigos

Mandai sem demora

 

XIII

Senhora Santa Bárbara

Está tudo queimado

Mandai água aos trigos

Com o seu mandado

 

XIV

Senhora Santa Bárbara

Virgem Mãe clemente

Mandai água aos trigos

Lembrai-se da gente

 

XV

Senhora Santa Bárbara

Que está no seu altar

Mandai água aos trigos

Está tudo a secar

 

XVI

Senhora Santa Bárbara

E Senhora de Fátima

Mandai-nos a chuva

A que fizer falta

 

 

Nossa Senhora do Carmo

 

I

Senhora do Carmo

Mandou-me um recado

Para me não esquecer

Do Bendito e Louvado

 

II

Bendito e Louvado

Não me há-de esquecer

Senhora do Carmo

Nos há-de valer

 

III

Nos há-de valer

Com todo o valor

Rainha dos Anjos

Do Céu Resplendor

 

IV

Perguntai aos Anjos

Que vêem de Belém

Se a Senhora do Carmo

Nos pagará bem

 

V

Os Anjos disseram

Que bem nos pagava

Não queremos dinheiro

Nem queremos soldada

 

VI

Não queremos soldada

Nem queremos dinheiro

Só queremos a bênção

De Deus verdadeiro

 

VII

As três excelência

Da mãe do Rosário

É o nosso ventre

Jesus sacrário

 

VIII

Sacrário aberto

E o Senhor vai fora

Var ver uma Alma

Que vai para a Glória

 

IX

Alma tão ditosa

Tanto sírio tem

São três horas dadas

E o Senhor não vêm

 

X

Abram-se essas portas

Que além vêm Jesus

De braços abertos

Pregados na cruz

 

XI

Seus braços abertos

Seus pés encravados

Derramando o sangue

Dos nossos pecados

 

XII

O chão tremia

Com o peso da cruz

Dizemos três vezes

Salvai-nos Jesus,

Salvai-nos Jesus,

Salvai-nos Jesus.

03.Dez.18

A lenda de Santa Bárbara de Nicomédia

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Santa Bárbara de Nicomédia, uma virgem e mártir do século III comemorada como santa cristã na Igreja Católica Apostólica Romana e também na Igreja Ortodoxa. É precisamente sobre este tema que vai incidir este capítulo.

De norte a sul, não há vila ou freguesia que não venere e celebre a sua imagem religiosa, santa ou santo da terra, geralmente a padroeira ou padroeiro. Neste género de festejos são recorrentes as romarias e procissões, as antigas tradições que muitas vezes misturam o profano com o religioso e, claro está, os cantares e orações que os tempos idos nos deixaram. Estas fervorosas devoções acabam por estar intimamente ligadas com a identidade das suas respetivas terras mas, em Santa Bárbara de Padrões, a situação atinge um outro patamar visto ser claramente possível estabelecer uma ligação entre o orago e praticamente todos os restantes fatores caraterizadores da Freguesa, o que significa que a figura de Bárbara de Nicomédia acaba por ser mesmo o eixo central da antiga Arannis e, assim, assumir um caráter primordial neste leque de elementos que visam definir a essência de Santa Bárbara de Padrões.

 É importante referir que não existem certezas de que a existência e história de Santa Bárbara é verídica, algo que é extremamente recorrente com os santos dos primeiros séculos do cristianismo. Aquilo que se sabe sobre a vida de Santa Bárbara é de origem lendária. O Padre António Vieira, considerado o Imperador da Língua Portuguesa, dedicou um sermão à Virgem Santa de Nicomédia e refere-se a ela da seguinte forma:

“Tinha Santa Bárbara, como filha única e herdeira de Dióscoro, seu pai, senhor nobilíssimo da cidade de Nicomédia, um riquíssimo património dos bens que chamam da fortuna. Tinha mais outro mais precioso e mais rico, que era o de todos os dotes da natureza e graça, formosura, discrição, honestidade, e as demais virtudes por onde o desejo e emulação de todos os grandes a procu­ravam por esposa. E tendo já consagrado tudo isto a Deus na flor da idade, até a liberdade e a vida lhe sacrificou a sua fé e o seu amor: a liberdade em um dilatado martírio, presa por muito tempo e aferrolhada em um castelo, e a vida em outro martírio, mais breve, mas muito mais cruel, sendo variamente atormentada com todos os géneros de tiranias, e, finalmente, degolada com a maior de todas, por mão de seu próprio pai.”

De forma breve e baseando-me no livro da Editorial Missões dedicado a Santa Bárbara, da autoria do Pe. Januário dos Santos, é possível afirmar que Bárbara foi,  uma jovem que nasceu na antiga Nicomédia (que corresponde, atualmente, à cidade de Izmit na Turquia), filha de um nobre e poderoso sátrapa de seu nome Dióscoro. A referida Santa tinha uma “rara beleza” e era muito disputada pelos homens da época que a pretendiam como esposa precisamente por ser muito rica, bela e por dispôr de um conjunto de virtudes que o Padre António Vieira enumera no excerto acima.

Dióscoro não queria deixar a sua única filha viver no meio da sociedade corrupta daquele tempo. Por esse motivo, decidiu fechá-la numa torre. Onde ela era educada por tutores da confiança de seu pai. Do alto da sua torre ela contemplou as maravilhas da natureza como o sol, a chuva, as aves e as estações do ano. Tudo isso contribuiu para que Bárbara se questionasse se aquilo era realmente obra dos “deuses” da mitologia romana ou de outro “alguém”.

Assim, é possível, desde logo, afirmar que a história de Santa Bárbara está intimamente ligada com a aprendizagem, a descoberta interior e com o encanto perante os deslumbramentos da natureza.

Santa Bárbara começou depois a frequentar a cidade para conseguir arranjar um pretendente do agrado do pai mas, nessas visitas, acabou por conhecer cristãos e por assimilar os princípios do Cristianismo. Bárbara conseguiu ser batizada por um sacerdote vindo da Alexandria e, como tal, por assimilar o mistério da Santíssima Trindade.

Bárbara, na sua torre, durante um período de ausência do pai, mandou construir três janelas de forma a lembrar a santíssima trindade e ordenou que fosse esculpida uma cruz na parede a recordar a Paixão de Jesus. O seu pai quando descobriu as atitudes da filha e quando percebeu que ela estava irredutível na sua decisão de ser cristã, denunciou-a, fazendo com que esta fosse torturada de forma extremamente violenta na cidade. Porém, Bárbara, optou por se manter fiel aos seus princípios, revelando-se uma jovem de força e coragem. Sofreu, posteriormente, uma série de tormentos até ser decapitada pelo próprio pai no cume de uma montanha. De seguida, Dióscoro foi atingido, violentamente, por um raio.

Esta é apenas uma das versões da Lenda de Santa Bárbara, existem outras versões que relatam que a Virgem tentou fugir, escondendo-se numa fraga que se abriu miraculosamente, acabando por ser protegida por uns mineiros que lá se encontravam.

A Lenda de Santa Bárbara e as histórias em torno da vida da Santa Padroeira acabaram por se tornar, também, temas correntes na cultura popular desta freguesia que vê especificamente, nesta Santa, um exemplo e uma inspiração, a quem se recorre para pedir auxílio e proteção.

O culto a Santa Bárbara terá nascido no Oriente e terá chegado ao Ocidente até ao século XV, principalmente na Alemanha com a devoção aos catorze santos auxiliares, onde apenas constam três santas mulheres: Santa Bárbara, Santa Catarina (de Alexandria) e Santa Margarida (de Antioquia). Estes santos auxiliares tinham como principal função proteger contra diversas doenças e foi durante o período da peste negra que estes foram mais invocados.

Ainda que a sua posição estivesse secundarizada em detrimento de outras virgens mártires como Santa Luzia, Santa Inês ou Santa Cecília o poder intercessor da Santa e a sua afirmação enquanto padroeira de várias corporações contribuíram naturalmente para a proliferação do seu culto, como tão bem testemunham certos provérbios populares de todos conhecidos.

Santa Bárbara é, assim, uma das santas mais populares e invocadas no nosso país, sendo protetora contra “relâmpagos e tempestades” e, ainda, padroeira dos mineiros, artilheiros, bombeiros, pirotécnicos e de outras profissões relacionadas com a construção da torre onde foi aprisionada (cabouqueiros, pedreiros e arquitetos) bem como quanto à sua utilização (presos e guardas prisionais).

03.Dez.18

Culto à Padroeira - Santa Bárbara de Nicomédia

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A 4 de dezembro é o dia de Santa Bárbara, a padroeira da aldeia, Freguesia e Paróquia de Santa Bárbara de Padrões. É dia de alegria, festividades e procissão em sua honra. A aldeia celebra a sua padroeira e a fé do seu povo. Também em 2018 o cartaz da festa  é motivo de orgulho de todos os residentes.

No meu livro, “Santa Bárbara de Padrões- A Identidade de uma Freguesia”, dedico um vasto capítulo ás várias vertentes que respeitam ao culto á padroeira e á fé das gentes desta aldeia que meu viu nascer.

Na nossa Freguesia a devoção a Santa Bárbara é muito antiga, não existem registos que comprovem que Santa Bárbara é o orago desde o início da Igreja/Paróquia. Através das memórias paroquiais, é possível verificar que Santa Bárbara era a padroeira da Paróquia e era-lhe confiado o altar-mor da Igreja. É referido nesse documento, que a Igreja era alvo de “romagem durante todo o ano” mas especialmente durante o dia de festa da Santa, 4 de dezembro, data em que se realizava, também, uma feira de gado suíno. Tudo isto revela que a imagem tinha certamente fama de ser muito “miraculosa” e que por isso atraía bastantes fiéis à nossa terra.

Em registos das Visitações da Ordem de Santiago a Santa Bárbara de Padrões, que se encontram na Torre do Tombo, é referido que a Igreja tinha sempre várias “barracas” a si encostadas devido ao elevado número de peregrinos que acolhia. Assim, já durante a época do cristianismo e com a Igreja construída, o local continuou a ser um “centro de devoção” e de peregrinação. Também nas Memórias Paroquiais de 1758 é mencionado em resposta à questão relativa à existência de romagens na freguesia que “tem concurso de Romagens todo o anno a Santa Barbara principalmente em seu dia”.

A intensidade da fé e crença nas graças concedidas por Santa Bárbara permanece até aos dias de hoje e por isso nos dias de procissão (4 de dezembro e último domingo de agosto) a imagem sai sempre adornada com ofertas em dinheiro, ouro, prata e ainda com algumas fitas coloridas que servem como meio de reconhecimento e pagamento pelos milagres concedidos pela Virgem.

Antigamente, devido aos parcos recursos económicos dos seus devotos, a imagem saía apenas com despedidas de verão e outras flores que se colhiam nos campos e nos quintais, não havendo dinheiro para comprar flores. Já as promessas eram pagas com determinados bens como cevada ou azeite que depois eram vendidos pela Igreja a fim de se fazer dinheiro. Apesar de todo este cenário a Santa já tinha vários vestidos e um bom conjunto de jóias valiosas que eram oferecidas pelas pessoas mais abastadas ou compradas pela Igreja com o dinheiro que conseguia juntar.

A Festa da Vigília, que corresponde à celebração do dia 4 de dezembro, era marcada por uma pequena feirinha em torno do adro da Igreja, onde se vendiam laranjas, pau-roxo, azeite e outras frutas e legumes. Era também hábito haver um lançamento de foguetes que enchia de cor os céus durante a noite. Na procissão saíam também candeeiros para assegurar a iluminação e diversos e pequenos estandartes com várias invocações como por exemplo ao anjo da guarda. A imagem antigamente também saía com as mãos atadas, símbolo do aprisionamento. É ainda de salientar que o dia 4 de dezembro era considerado um dia feriado e, como tal, ninguém trabalhava.

 Na procissão de verão que começou a ser feita com o regresso das Tradicionais Festas Populares a Virgem era sempre acompanhada, até há relativamente pouco tempo, por cavaleiros na sua visita à aldeia. Apesar de com algumas alterações e dos contextos serem diferentes não se regista uma diminuição na afluência às procissões em honra da Senhora.

A ligação de Santa Bárbara a esta terra é extremamente interessante e curiosa, visto que, habitualmente o culto a Santa Bárbara nasce após o surgimento da atividade extrativa, pelo menos foi isso que aconteceu em Aljustrel, na Mina de São Domingos e no Lousal. Porém, tal como já referi, o culto a Santa Bárbara, enquanto orago, já existia em 1756. Ora as Minas de Neves/Corvo só foram descobertas em 1972, sensivelmente, e só entraram em funcionamento em 1988. Daí que não é possível afirmar que a escolha de Santa Bárbara como orago se deveu à existência da atividade mineira. Em conversa com o arqueólogo Manuel Maia – responsável pelo Museu da Lucerna em Castro Verde – foi possível identificar um conjunto de fatores que podem justificar a escolha de Bárbara de Nicomédia como princesa celestial daquela que é a maior freguesia rural do concelho de Castro Verde. Porém, M. Maia recorda-nos que estes indicadores têm origem na cultura popular, foram histórias passadas de geração em geração e, como tal, não tem qualquer tipo de fundamentação científica. O arqueólogo falou-nos, por exemplo, da origem do nome do lugar do Lombador que significa “lomba de ouro”, havendo até quem afirme que na zona do Lombador se situa o “tesouro de Portugal”. É também em A-do-Corvo, outro dos lugares da nossa freguesia, que se fala numa “achada do ouro” onde não se pode estar quando há trovoada e onde há uma grande massa de minério. Segundo M. Maia, um geólogo da Mina de Neves/Corvo, há muitos anos, também lhe haveria contado, que antes de se iniciarem as explorações existia uma camada de cobre nativo (pirite oxida), isto é, à superfície e visível.

É importante reter a ideia de que existia uma grande confusão entre o cobre e o ouro. Provavelmente o que havia quer no Lombador, quer em A-do-Corvo não era ouro mas cobre. Como é que isto se relaciona com a escolha de Santa Bárbara para orago da freguesia? A resposta é evidente. Provavelmente nessa altura, devido a estas histórias, já deveria existir a ideia de que, nesta freguesia, existiam grandes possibilidades do ponto de vista do desenvolvimento da indústria extrativa…a camada visível em Neves/Corvo também pode evidenciar um já conhecimento de que naquele local existiam minerais para ser explorados.

Como tal, a escolha recaiu numa Virgem que está intimamente relacionada com os tesouros e riquezas do subsolo por ser, claro está, a padroeira dos mineiros. Para os mais crentes e fiéis, também se pode levantar a hipótese de que o surgimento das Minas foi, precisamente, uma graça concedida pela Senhora para agradecer o facto de ter sido nomeada a protetora destas terras, que são as únicas de todo o vasto Alentejo (e das poucas do país) que a têm como padroeira, pois, Santa Bárbara não é um orago muito frequente em Portugal.

A juntar a tudo isto, também é importante salientar que antes de Neves/Corvo existiram outras minas nas redondezas da freguesia de Santa Bárbara de Padrões, nomeadamente perto do Monte dos Mestres, por exemplo, no concelho de Almodôvar. O certo é que esta é uma situação extremamente curiosa…daquelas mesmo do “arco-da-velha”.

Mas a associação de Santa Bárbara aos fatores identitários desta Freguesia não se restringe à atividade mineira ou à toponímia que adquiriu o nome do orago (situação bastante frequente no nosso país) mas também ao passado e património histórico visto ser deveras curioso, também, que sob o local onde se adoraram as divindades greco-romanas se tenha erguido uma igreja cristã dedicada a uma Santa que desafiou essas mesmas divindades e que colocou em causa a religião oficial do Império Romano.

Por fim, Santa Bárbara é também muito referida no ao cante alentejano e nas tradições orais. Exemplos disso foram as inúmeras novenas que lhe foram realizadas em 1961, 1992, 1995, 2004 e 2012, e que adquiriram particular expressão no lugar da Sete, onde homens e mulheres se reuniam para implorar água aos Céus, sendo que no último dia da novena era feita uma romaria até à Igreja Matriz. Em 1995, existem relatos de que no preciso momento em que as pessoas saíram da Igreja começou a chover, depois de um longo período de seca. Outra situação que também chama a atenção da população relacionada com Santa Bárbara e com a chuva deve-se ao facto de não existirem quaisquer registos de que, alguma vez, tenha chovido no dia da sua procissão…realizada numa noite de inverno em 4 de dezembro, tendo inclusivamente já acontecido parar de chover quando a procissão sai da Igreja e retomar quando esta regressa.

Santa Bárbara, representada nesta imagem de rara beleza, rica de simplicidade e de candura, transparece a força e a coragem que aqueles que a procuram, por vezes, necessitam. A imagem carrega, em si, famílias inteiras, famílias generosas, homens e mulheres de trabalho, que ao longo dos tempos, confiaram a Santa Bárbara os seus filhos, as suas preocupações, os seus problemas e as suas vidas. Santa Bárbara é a protetora dos mineiros de Neves/Corvo…e aquela a quem se recorre para abrandar os trovões que ameaçam as colheitas…é a Padroeira destas terras que sofreram com a peste negra, marcadas, no passado, pela pobreza e pela necessidade. Santa Bárbara, trás preso ao seu manto todo um passado, toda uma história, que nos define enquanto comunidade. Santa Bárbara é, assim, o maior tesouro para os padronenses de ontem, de hoje e de amanhã, sendo que é no seu olhar que se encontra o amor e a esperança no futuro da nossa terra…a certeza de que os nossos Padrões se vão manter sempre na graça divina.