A 4 de dezembro é o dia de Santa Bárbara, a padroeira da aldeia, Freguesia e Paróquia de Santa Bárbara de Padrões. É dia de alegria, festividades e procissão em sua honra. A aldeia celebra a sua padroeira e a fé do seu povo. Também em 2018 o cartaz da festa é motivo de orgulho de todos os residentes.
No meu livro, “Santa Bárbara de Padrões- A Identidade de uma Freguesia”, dedico um vasto capítulo ás várias vertentes que respeitam ao culto á padroeira e á fé das gentes desta aldeia que meu viu nascer.
Na nossa Freguesia a devoção a Santa Bárbara é muito antiga, não existem registos que comprovem que Santa Bárbara é o orago desde o início da Igreja/Paróquia. Através das memórias paroquiais, é possível verificar que Santa Bárbara era a padroeira da Paróquia e era-lhe confiado o altar-mor da Igreja. É referido nesse documento, que a Igreja era alvo de “romagem durante todo o ano” mas especialmente durante o dia de festa da Santa, 4 de dezembro, data em que se realizava, também, uma feira de gado suíno. Tudo isto revela que a imagem tinha certamente fama de ser muito “miraculosa” e que por isso atraía bastantes fiéis à nossa terra.
Em registos das Visitações da Ordem de Santiago a Santa Bárbara de Padrões, que se encontram na Torre do Tombo, é referido que a Igreja tinha sempre várias “barracas” a si encostadas devido ao elevado número de peregrinos que acolhia. Assim, já durante a época do cristianismo e com a Igreja construída, o local continuou a ser um “centro de devoção” e de peregrinação. Também nas Memórias Paroquiais de 1758 é mencionado em resposta à questão relativa à existência de romagens na freguesia que “tem concurso de Romagens todo o anno a Santa Barbara principalmente em seu dia”.
A intensidade da fé e crença nas graças concedidas por Santa Bárbara permanece até aos dias de hoje e por isso nos dias de procissão (4 de dezembro e último domingo de agosto) a imagem sai sempre adornada com ofertas em dinheiro, ouro, prata e ainda com algumas fitas coloridas que servem como meio de reconhecimento e pagamento pelos milagres concedidos pela Virgem.
Antigamente, devido aos parcos recursos económicos dos seus devotos, a imagem saía apenas com despedidas de verão e outras flores que se colhiam nos campos e nos quintais, não havendo dinheiro para comprar flores. Já as promessas eram pagas com determinados bens como cevada ou azeite que depois eram vendidos pela Igreja a fim de se fazer dinheiro. Apesar de todo este cenário a Santa já tinha vários vestidos e um bom conjunto de jóias valiosas que eram oferecidas pelas pessoas mais abastadas ou compradas pela Igreja com o dinheiro que conseguia juntar.
A Festa da Vigília, que corresponde à celebração do dia 4 de dezembro, era marcada por uma pequena feirinha em torno do adro da Igreja, onde se vendiam laranjas, pau-roxo, azeite e outras frutas e legumes. Era também hábito haver um lançamento de foguetes que enchia de cor os céus durante a noite. Na procissão saíam também candeeiros para assegurar a iluminação e diversos e pequenos estandartes com várias invocações como por exemplo ao anjo da guarda. A imagem antigamente também saía com as mãos atadas, símbolo do aprisionamento. É ainda de salientar que o dia 4 de dezembro era considerado um dia feriado e, como tal, ninguém trabalhava.
Na procissão de verão que começou a ser feita com o regresso das Tradicionais Festas Populares a Virgem era sempre acompanhada, até há relativamente pouco tempo, por cavaleiros na sua visita à aldeia. Apesar de com algumas alterações e dos contextos serem diferentes não se regista uma diminuição na afluência às procissões em honra da Senhora.
A ligação de Santa Bárbara a esta terra é extremamente interessante e curiosa, visto que, habitualmente o culto a Santa Bárbara nasce após o surgimento da atividade extrativa, pelo menos foi isso que aconteceu em Aljustrel, na Mina de São Domingos e no Lousal. Porém, tal como já referi, o culto a Santa Bárbara, enquanto orago, já existia em 1756. Ora as Minas de Neves/Corvo só foram descobertas em 1972, sensivelmente, e só entraram em funcionamento em 1988. Daí que não é possível afirmar que a escolha de Santa Bárbara como orago se deveu à existência da atividade mineira. Em conversa com o arqueólogo Manuel Maia – responsável pelo Museu da Lucerna em Castro Verde – foi possível identificar um conjunto de fatores que podem justificar a escolha de Bárbara de Nicomédia como princesa celestial daquela que é a maior freguesia rural do concelho de Castro Verde. Porém, M. Maia recorda-nos que estes indicadores têm origem na cultura popular, foram histórias passadas de geração em geração e, como tal, não tem qualquer tipo de fundamentação científica. O arqueólogo falou-nos, por exemplo, da origem do nome do lugar do Lombador que significa “lomba de ouro”, havendo até quem afirme que na zona do Lombador se situa o “tesouro de Portugal”. É também em A-do-Corvo, outro dos lugares da nossa freguesia, que se fala numa “achada do ouro” onde não se pode estar quando há trovoada e onde há uma grande massa de minério. Segundo M. Maia, um geólogo da Mina de Neves/Corvo, há muitos anos, também lhe haveria contado, que antes de se iniciarem as explorações existia uma camada de cobre nativo (pirite oxida), isto é, à superfície e visível.
É importante reter a ideia de que existia uma grande confusão entre o cobre e o ouro. Provavelmente o que havia quer no Lombador, quer em A-do-Corvo não era ouro mas cobre. Como é que isto se relaciona com a escolha de Santa Bárbara para orago da freguesia? A resposta é evidente. Provavelmente nessa altura, devido a estas histórias, já deveria existir a ideia de que, nesta freguesia, existiam grandes possibilidades do ponto de vista do desenvolvimento da indústria extrativa…a camada visível em Neves/Corvo também pode evidenciar um já conhecimento de que naquele local existiam minerais para ser explorados.
Como tal, a escolha recaiu numa Virgem que está intimamente relacionada com os tesouros e riquezas do subsolo por ser, claro está, a padroeira dos mineiros. Para os mais crentes e fiéis, também se pode levantar a hipótese de que o surgimento das Minas foi, precisamente, uma graça concedida pela Senhora para agradecer o facto de ter sido nomeada a protetora destas terras, que são as únicas de todo o vasto Alentejo (e das poucas do país) que a têm como padroeira, pois, Santa Bárbara não é um orago muito frequente em Portugal.
A juntar a tudo isto, também é importante salientar que antes de Neves/Corvo existiram outras minas nas redondezas da freguesia de Santa Bárbara de Padrões, nomeadamente perto do Monte dos Mestres, por exemplo, no concelho de Almodôvar. O certo é que esta é uma situação extremamente curiosa…daquelas mesmo do “arco-da-velha”.
Mas a associação de Santa Bárbara aos fatores identitários desta Freguesia não se restringe à atividade mineira ou à toponímia que adquiriu o nome do orago (situação bastante frequente no nosso país) mas também ao passado e património histórico visto ser deveras curioso, também, que sob o local onde se adoraram as divindades greco-romanas se tenha erguido uma igreja cristã dedicada a uma Santa que desafiou essas mesmas divindades e que colocou em causa a religião oficial do Império Romano.
Por fim, Santa Bárbara é também muito referida no ao cante alentejano e nas tradições orais. Exemplos disso foram as inúmeras novenas que lhe foram realizadas em 1961, 1992, 1995, 2004 e 2012, e que adquiriram particular expressão no lugar da Sete, onde homens e mulheres se reuniam para implorar água aos Céus, sendo que no último dia da novena era feita uma romaria até à Igreja Matriz. Em 1995, existem relatos de que no preciso momento em que as pessoas saíram da Igreja começou a chover, depois de um longo período de seca. Outra situação que também chama a atenção da população relacionada com Santa Bárbara e com a chuva deve-se ao facto de não existirem quaisquer registos de que, alguma vez, tenha chovido no dia da sua procissão…realizada numa noite de inverno em 4 de dezembro, tendo inclusivamente já acontecido parar de chover quando a procissão sai da Igreja e retomar quando esta regressa.
Santa Bárbara, representada nesta imagem de rara beleza, rica de simplicidade e de candura, transparece a força e a coragem que aqueles que a procuram, por vezes, necessitam. A imagem carrega, em si, famílias inteiras, famílias generosas, homens e mulheres de trabalho, que ao longo dos tempos, confiaram a Santa Bárbara os seus filhos, as suas preocupações, os seus problemas e as suas vidas. Santa Bárbara é a protetora dos mineiros de Neves/Corvo…e aquela a quem se recorre para abrandar os trovões que ameaçam as colheitas…é a Padroeira destas terras que sofreram com a peste negra, marcadas, no passado, pela pobreza e pela necessidade. Santa Bárbara, trás preso ao seu manto todo um passado, toda uma história, que nos define enquanto comunidade. Santa Bárbara é, assim, o maior tesouro para os padronenses de ontem, de hoje e de amanhã, sendo que é no seu olhar que se encontra o amor e a esperança no futuro da nossa terra…a certeza de que os nossos Padrões se vão manter sempre na graça divina.